Ex-menino de rua adaptou trecho da morte e ressurreição para os dias atuais
A Cidade de Deus, favela conhecida no Rio de Janeiro, vai ter seu próprio espetáculo da Paixão de Cristo neste feriado. Em vez de Jesus de madeixas longas crucificado, a comunidade da Zona Oeste do Rio vai ver o filho de Deus de cabelo no estilo black power sendo queimado em pneus, na tortura feita por traficantes conhecida como "micro-ondas". Dirigida por um ex-menino de rua, a Companhia Teatro da Provocação vai encenar a peça Outra Paixão, no CIEP da favela, neste fim de semana.
Admitindo a polêmica de “queimar” o filho de Deus na Cidade de Deus, Adilson Dias garante que está preparado para a repercussão. “Não fui eu quem executei Jesus. Li o evangelho e acho a palavra dele a mais avançada das mais avançadas das tecnologias. É revolucionário”, resume o diretor.
A ideia, conta ele, surgiu de uma conversa com um amigo da Favela do Barbante, em Campo Grande, também na Zona Oeste. “Ele falou: ‘aqui, só Jesus salva’. Comecei a imaginar Jesus chegando ali. O que ele encontraria se viesse nos dias de hoje”, explica Adilson.
Na história, Messias, que é filho de Dona Maria, lavadeira da comunidade, chega à favela na tentativa de evangelizar dois jovens envolvidos com o tráfico de drogas. Acaba sendo traído por um deles e é condenado ao ‘micro-ondas’ pelo chefe do crime no local.
Algumas das cenas, como a que traficantes vendem drogas gritando “pó de R$ 10” e “maconha de R$ 5” assustaram alguns vizinhos do espaço de ensaios, que não ouviam frases de feira livre de drogas desde a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na comunidade, em 2009. Já antevendo que isso poderia lhe trazer problemas, Adilson levou o roteiro da peça para o major Romeu, capitão da UPP local.
A relação de Adilson com a religião e com a cultura começou nas ruas. Menor de rua, ele ‘morava’ em frente à Candelária, no Centro da cidade. “Entrava no Centro Cultural Banco do Brasil para beber água gelada e ficava encantado”, lembra ele, hoje com 30 anos.
Depois de sofrer uma agressão na região, foi viver em frente à Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema. “Até 14 anos eu era um cara sujo, cheia de marcas no corpo e que as pessoas não enxergavam e não davam oportunidade. Naquela época, achavam que dali não sairia quem prestasse. Eu falei para mim: ‘ou estudar e dar a volta por cima’”, conta o diretor, que saiu antes da chacina da Candelária, mas chegou a conviver com as vítimas.
Com a determinação, completou o Ensino Médio, estudou teatro e hoje faz faculdade de pedagogia. Seu padrinho no teatro é o ator Sérgio Britto, que ficou impressionado com o menino na porta do Teatro Glória. “Estava na porta pedindo ingresso, ele me perguntou se era isso mesmo que eu queria e fui ver “O Zelador”, de Harold Pinter, com Selton Mello”, lembra ele.
Fonte:http://www.jneweb.com.br/
Postado em 22 de abril de 2011
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